23 abril, 2013

Um dia você vai aprender...



"Um dia você vai aprender que nem todo mundo que te elogia quer teu bem e que nem todo aquele que te critica quer teu mal. Vai entender que aqueles que te odeiam muitas vezes o fazem por desejarem estar no seu lugar.

Vai perceber que a bondade não está apenas nas palavras, mas principalmente nos atos. Que solidariedade é diferente de caridade que é diferente de exibicionismo. Que espiritualidade não precisa de religião.

Vai aprender que um amor não se molda, se vive. Que só fazem conosco o que permitimos. Que perdoar não é esquecer e sim aceitar as desculpas e deixar que a ferida cicatrize sem precisar mostrá-la. Contudo aprenderá que insistir no erro é escolha.

Que ser determinado é diferente de ser inconveniente. Que ter disciplina é fundamental para desfrutar da liberdade. Que ninguém é totalmente bom e nem totalmente mau.

Vai perceber que todo mundo tem um preço, mas que nem todos estão a venda. Vai notar que aquele que muito se faz de humilde não sabe o que de fato seja humildade. Que quem muito ostenta é porque pouco tem para mostrar. Que maturidade é olhar para si sem ignorar o outro. É aceitar também que os estejam próximos tenham diversos defeitos assim como nós e que a amizade está em conviver com isso sem deixar de celebrar as qualidades.

Um dia você aprenderá que os jornais mentem. Que a televisão está a serviço apenas dos comerciais, que a vida das celebridades não é realmente como na revista e que todo mundo solta pum. 

Que ler ajuda a escrever, que o mundo não começou no dia que você nasceu, que existem pessoas com conhecimento e outras apenas com informação.

Vai notar que sabedoria é mais do que ter cultura e que tem mais gente culta do que Sábia. Que ser inteligente é diferente de ser esperto, e que para ser esperto não é preciso enganar os outros.

Vai notar que há quem fale bonito e não tenha nada a dizer e há quem não saiba conjugar um verbo corretamente mas consiga expressar o que é preciso, na hora em que é preciso.

Vai perceber que é preciso ouvir, mas que ficar sempre calado é omissão.

Poder ser que entenda que liberdade de expressão não significa agredir sem consequências, que democracia só existe onde todos que façam parte dela tenham consciência do que seja uma democracia e que o Estado não está nos fazendo favor. Nós pagamos impostos.

Vai notar que numa sociedade somos sócios e que existem problemas que são comuns a todos nós e que se não nos unirmos para resolvê-los mais cedo ou mais tarde eles nos atingirão.

Vai descobrir que o atraso na educação facilita a manipulação das massas. Que autoridades não gostam de ser questionadas. Que tem muita gente que trabalha para manter a calamidade sem saber e ainda acha graça e faz piada disso.

Vai entender que existe limite para tudo e que para saber qual será o seu limite terá que ultrapassá-lo, contudo tendo consciência de que existem consequências e algumas sem volta. Que é no equilíbrio que se encontra a harmonia e que para chegar a este estágio será preciso bem mais do que apenas citá-lo.

Entenderá que é mais interessante nos ver brigando uns com os outros do que unidos em prol do crescimento coletivo. Que nos dividiram por classes, cor, credo e raças porque fica mais simples de controlar.

Um dia você vai aprender que tem tanta coisa para aprender por aqui e que essa é nossa função nessa existência que então perceberá o quão pequeno é perto do universo que existe ao redor. E quando tiveres a consciência de que tudo que acontece na sua vida seja fruto apenas de suas escolhas, então não apontarás mais o dedo para culpar ninguém pelo que não conquistou. E muito menos colocará a responsabilidade da sua felicidade em outro que não em ti mesmo.

Que cada um usa as armas que tem, mas que é preciso responsabilidade e respeito aos que estão próximo para que estas armas não sejam usadas para prejudicar os outros e consequentemente a você. Que todos temos um dom, uma capacidade e o direito de optar por ser apenas mais um ou deixar sua própria história marcada.

Nesse dia você aprenderá, que ainda não sabe de nada. 

Então começará uma nova busca..."

Tico Santa Cruz

20 abril, 2013

Metade Cheio Ou Metade Vazio - As Vantagens De Se Ter um Coração Livre



Você acorda pela manhã, e seus primeiros pensamentos não se concentram em uma única pessoa, porém em várias delas e por motivos diversos que não um sorriso ou uma vontade. O dia se arrasta entre compromissos e rotinas, e a sua mente continua focada, sem nenhuma intrusa para bagunçar seus planos de ser promovido no trabalho, correr os 10 km no sábado ou comprar a pasta de dentes que acabou.
Meus parabéns. Você acaba de ser contemplado com um coração vazio. Não que seja algo para ser comemorado, mas o simples fato de não se estar amando romanticamente ou (em menor escala) ter alguma paixãozinha perdida por aí vai ter fazer um bem danado por enquanto.
Já ouviu falar que “o seu tempo é o bem mais precioso que você pode oferecer a alguém”? É uma parte da sua vida que você entrega e que nunca mais terá de volta. E, às vezes, é só com o coração vazio que o merecedor dessa oferta passa a ser você mesmo. As vantagens destas “férias sentimentais” são inúmeras, assim como também são intermináveis as alegrias de se estar apaixonado. E apesar de ser um clichezão, amar e conhecer a si mesmo vai ser a sua maior conquista nesse período.
As músicas novas que você ouve hoje serão as suas músicas “neutras” daqui a alguns anos. Você terá a oportunidade de ter uma playlist que não aperta um botãozinho afetivo aí dentro toda vez que toca. De quebra vai ter uma bela amostra do seu gosto musical sem a influência da emoção.
A sua família passa a te provocar maior interesse. Você descobre que seu irmão tem um ótimo gosto para filmes e que é uma excelente companhia pra um cinema. Começa a ter curiosidade em aprender a cozinhar com sua mãe e a gostar de conversar sobre política com seu pai. Aliás, você também gosta muito de passar um tempo sozinho e até torce o nariz quando tem hóspedes em casa. O som dos seus pensamentos te faz bem, você ama a sua própria companhia.
Aí, então, o mundo parece ficar maior e mais cheio de possibilidades. Seus interesses se ampliam e a rotina vai mudando. Um curso de mergulho, uma aptidão para tocar algum instrumento que antes não te chamava a atenção, uma viagem que, sabe-se lá por quê, você achava que seria o maior programa de índio, mas foi inesquecível. Gente nova aparece, gente velha que não agregava fica pra trás. E ninguém percebeu, nem mesmo você, mas seu coração já está preparado para ser preenchido de novo.
Sua autoconfiança passou a ser admirada, sua personalidade é tão marcante e você é tão autêntico que começou a atrair olhares. Mas será que você quer isso? Provavelmente, não. E você tem escolha? Não, não tem. Em uma quarta-feira qualquer, você vai dormir pensando em um rosto e, ao acordar no dia seguinte – Oh Wait! –, lá está ele de novo. Ela vai rodopiar pela sua planilha de Excel e performar sorrisos encantadores toda vez que você tentar se concentrar. Adeus, foco; adeus, coração vazio.
Ainda bem que, por mais que você tente se blindar, amar é inevitável. E quer um conselho, meu amigo? Agora é a hora de se entregar às tais intermináveis alegrias de se estar apaixonado. Se você foi um bom aluno da vida, aprendeu direitinho que, independente de cheio ou vazio, seu coração te pertence e o seu tempo deve ser divido com quem realmente vai saber investir nele.

Raquel Ernesto.

Ninguém te ensinará os caminhos


"Zézim, ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vallejo? não estou certo): “Caminante, no hay caminos. Pero el camino se hace al andar”. 

-Caio F. A. - in "Carta à José Márcio Penido"

19 abril, 2013


"se você for tentar vá até o fim caso contrário nem comece."


 Charles Bukowski

“não é minha morte que me 
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte 
de coisa
nenhuma.

no entanto 
eu quero que ela
saiba
que dormi
todas as noites
a seu lado

e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas

e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora
ser ditas:

eu te
amo.”


Charles Bukowski 

18 abril, 2013

Lá na curva.




O que eu gosto no rio mais
É que ele nunca está igual
A água sempre muda
E vai correndo
Mas não podemos viver assim
E este é o nosso mal
E o pior é que acabamos não sabendo
Lá na curva o que é que vem
Lá na curva o que é que vem
Quero saber
Lá na curva o que é que vem
Eu só vou ver
Aves a voar
Quero entender
O meu sonho o que é que diz
Lá na curva o que é que vem
Pra mim
Que vem pra mim
Eu não me canso em procurar
Eu sei que um dia eu vou ouvir
Algum tambor distante que me chame
E o estável lar que eu criei
Irá me proteger
Quero segurança
Um homem que me ame
Lá na curva o que é que vem
Lá na curva o que é que vem
Quero saber
Lá na curva o que é que vem
Eu só vou ver
Que cheguei ao mar
Quero entender
E o destino eu devo ouvir
Lá na curva o que é que vem
Lá na curva o que é que vem!
Que caminho vou seguir?
Qual a melhor solução?
Vou casar com Kokowan
Ou devo então casar com quem?
Vou só sentir
Que o meu sonho vive
E depois da curva...
Vem...

16 abril, 2013

Ser feliz


Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?
Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.
Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.
E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de
um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém contratado?
Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beira mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.


Martha Medeiros 

12 abril, 2013

Mulheres.



"- Fui pro meu carro, dei partida. Botei a primeira. Não andou. Botei a segunda. Nada. Botei de novo a primeira. Verifiquei se tava desbrecado. Não andou. Botei a marcha ré. O carro andou pra trás. Brequei e botei a primeira de novo. Não andou. Ainda estava muito puto com Lydia. Pensei, bom, vou dirigindo essa porra de marcha ré até em casa. Daí imaginei os guardas me parando pra me perguntar que merda eu tava fazendo. Bem, senhores agentes da lei, tive uma briga com a minha garota e esse foi o único jeito de voltar pra casa.

Já não estava me sentindo puto com Lydia. Desci do carro, fui até a sua porta. Ela tinha recolhido a cabeça. Bati.
Lydia abriu a porta.

-Escuta -disse- não sabia que você era bruxa.
-Bruxa não, vaca. Cê não lembra?
-Você tem que me levar pra casa. Meu carro só anda pra trás. Aquela porra tá enfeitiçada.
-Cê tá falando sério?
-Vem cá, vou te mostrar.
Lydia me seguiu até o carro. O câmbio tava funcionando direito. Agora o carro só anda pra trás. Tava a ponto de voltar pra casa daquele jeito mesmo.
Entrei no carro.
-Olha só.
Liguei o motor, botei a primeira, soltei a embreagem.
O carro deu um pulo pra frente. Botei a segunda. Foi indo em segunda, cada vez mais rápido. Botei a terceira. Foi indo numa boa. Dei meia volta e estacionei do outro lado da rua. Lydia atravessou.
-Olha -disse eu-, você tem que me acreditar. Há um minuto o carro só andava pra trás. Agora tá legal. Juro por Deus.
-Acredito em você -disse ela- Isso é coisa de Deus. Acredito nessas coisas.
-Isso deve significar alguma coisa.
-Claro que significa.
Saí do carro. Fomos pra casa dela.
-Tire a camisa e os sapatos -disse ela- e deite na cama. Quero primeiro espremer seus cravos."

Charles Bukowski

07 abril, 2013

O que você não sabe.


Quando na oitava série, num período confuso que é a adolescência, eu estudava num colégio de freiras e tinha um melhor-amigo chamado Felipe. Mas essa não é a história toda.
Felipe era alto, louro, de olhos azuis e corpo atlético. Levava muitas menininhas para embaixo da escada que dava para a sala audiovisual. Jogava bem futebol, xadrez, videogame, qualquer coisa. Sabe aquelas pessoas que são boas em tudo? E eu era apenas uma versão virgem e distorcida do que mais ou menos sou hoje: sombrio, feio, melancólico, esquisito e me recordo de, na época, querer ser como Rimbaud. Eu ia com meu caderninho de anotações poéticas a todos os lugares da escola, do banheiro ao ginásio de educação física. Não demorou muito para todas as turmas da tarde e algumas da manhã espalharem a conclusão de eu era, como dizem, bicha.
Difícil saber por que Felipe e eu, mesmo tão diferentes, éramos amigos do peito. Um belo e um feio, um pop e um esquisitão. Suponho a razão seja porque ambos estávamos repetindo a série e o resto da turma parecia todos uns pirralhos idiotas; mas é difícil entender as afinidades entre duas pessoas, onde exatamente elas se engancham.
Um dia, sem mais nem menos, Felipe chegou pra mim e disse que era melhor nos afastarmos, de turma, de classe, de turno. A minha imagem estava pegando nele, e isso era uma coisa ruim. Todos estavam achando que ele não gostava de meninas, e que ele só pegava várias para calar a boca da galera. Até tentei contrapôr, que não importava o que os outros pensassem, mas não fui muito longe. Eu sabia por quem eu tinha ereções e isso me bastava. Era mais fácil arrumar uns amigos novos do que mudar a cabeça homofóbica de alguém.
Eu poderia dizer que sei como é ser gay, mas seria uma heresia hedionda. Eu não sei como eles se sentem, não tenho ideia. O descobrimento, a negação, a transformação, a aceitação, a admissão? Nem imagino. Sei como é achar um homem atraente e bonito (Todos os homens sabem como é, embora não confessem. David Beckham, hein?), mas não faço ideia de como é ter atração física pelo mesmo sexo. Nunca tive contato com a dor e aflição de um menino que não se sente assim tão viril quanto o pai, a escola, a turma da natação, os garotos da rua, tios, etc, esperam que ele seja. Eu não sei como é, você não sabe como é. Só eles sabem. Não deve ser fácil.
Mas mesmo assim a gente cochicha, aponta, ri, debate, milita, rejeita, fala, debocha, argumenta, conta piadas a respeito, opina sobre o casamento gay, a lei anti-homofobia, adia o beijo homossexual na novela. Por que todos os dias conversamos sobre coisas que não temos noção de como é? Porque precisamos da ilusão de que somos superiores, seja por “saber como é” e falsamente compreender, ou seja por negação, rejeição, preconceito.
A verdade é que sofremos um pavor irracional em relação a tudo que não nos diz respeito, não aceitamos que as coisas possam existir e funcionar sem nosso aval e entendimento, o que nos leva a outra ilusão necessária: a de que estamos no controle, de que o mundo pertence a nós e logo somos o centro dele, e tudo que sucede em volta é mera paisagem e figuração.
Existem as coisas que você sabe. Que não representam uma ínfima fração de todo o resto que você não sabe. Deus nos abandonou com as dúvidas e fugiu com todas as verdades absolutas.


Gabito Nunes.

02 abril, 2013


"(...) A dor doía menos assim, embora não fosse exatamente uma dor. Mais um peso, um calafrio. Uma memória, uma vergonha, uma culpa, um arrependimento em que não se pode dar jeito."

Caio Fernando Abreu